Com migalhas de amor
São 14h da tarde. Há sol e algumas nuvens ameaçadoras no céu.
Na minha relva uns pardalitos deliciam-se com umas migalhinhas de pão-de-ló,
vestígios da Visita Pascal de ontem. Na rádio ouço que a taxa de desemprego
estagnou este último mês de Março, comparativamente a Janeiro, ainda que esteja
em
percentagem avassaladora. Na televisão passa um desfile de
preocupações e angústias. No meu coração há alegria e esperança! Afinal, ontem
foi a Páscoa e a Ressurreição de Jesus é uma explosão de luz que se espalha no
meio das trevas. Com esta certeza, recordo o dia 23 de Março, Dia Mundial da Juventude,
dia da XXI Carminhada do Carmo Jovem,
e é sobre este dia que vos quero falar hoje.
A Carminhada
começou muito, muito cedo, há muito tempo, quando a Equipa de Coordenação
resolveu deitar mãos à obra e reacender a chama do Carmo Jovem. A 14 de Dezembro
do ano passado, dia de nosso pai S. João da Cruz, demos a notícia que nos
propúnhamos carminhar no Sábado de
Ramos e celebrar o dia dos jovens com os jovens. Iríamos partilhar a amizade
que temos com Jesus e com Teresa e aconchegar-lhes o coração com as palavras do
Papa Bento XVI. Imaginávamos lá, nesse longínquo mês de Dezembro, que Deus
inspiraria Bento a entregar o seu lugar a outro pastor, num gesto de grande
humildade e sacrifício, e que agora teríamos Francisco, o Papa que veio do fim
do mundo, como a si próprio se referiu? Imaginaríamos nós que S. Pedro nos
presentearia com longos dias de chuva que nos obrigaram a constantes reajustes
do plano de ação inicialmente definido? Oh! Se nos agarrássemos às dificuldades
e aos medos, ainda hoje estávamos a delinear o plano de atividades do
Movimento! Arriscamos confiantes! Afinal, é por Deus e para Deus que nos
movimentamos e Ele sabe porque caminhos nos conduz. ELE sabe! ELE é que sabe!
Afirmo para mim mesma todos os dias, quando a dúvida se torna insuportável e
uma agonia desesperante se instala em mim; afirmo em voz alta ELE é que
sabe porque me colocou aqui, neste papel, nesta função. E consciente que nada
sei, confio-LHE os meus medos e avanço… tento avançar!
Às 6h da manhã de Sábado, dia 23 de Março, o meu telemóvel
começou a tocar, fenómeno aliás que se repetiu por toda a manhã. Já perceberão!
Atendi, sobressaltada. Nada dormira, porque estava ansiosa, por um lado, e por
outro, chovia torrencialmente e eu só pensava como iríamos carminhar com aquele tempo. Outra vez a chover quando queremos
caminhar entre Avessadas e Tongóbriga! Porquê, meu Deus? Será que não nos
queres nessas paragens? Foi assim a minha noite, noite muito noite. Bem, atendi,
e do outro lado, uma voz inquieta, dizia-me: Ana, chove assustadoramente aqui! Assim não há carminhada, pois não?
Ai, Jesus, que tontaria!!! Carminhamos, sim! Respondi, carminhamos porque uma
chuvada nas costas não nos vai fazer mal e além disso temos um plano B, uma
alternativa. Do outro lado ouvi: Ai é?
Pronto, ok!
E assim foi. Saí de casa depois de deixar as minhas gotinhas
pequeninas bem entregues com a avó, pois tínhamos de sair do Convento do Carmo
de Viana, às 7.30h. Eu, o Pedro, o Frei
João, a Joana, a Rita, a Isabel e a Paula, mais a cruz e o
cajado do Movimento, as faixas coloridas, as alfaias da Eucaristia, os
paramentos do sacerdote, mais os farnéis, o sono, a dúvida, a alegria e a
confiança. Saímos todos! Assim mesmo, todos juntos, com a graça de Deus.
Em Avessadas esperavam-nos os jovens da localidade aos quais
se juntaram os de Paços de Gaiolo, de Moinhos da Gândara, de Aveiro, de Braga.
Ah! Que alegria, Deus meu! Éramos mais de 70!!! Mais de 70 acreditaram que não
choveria e que mesmo que chovesse valia mesmo muito, muito, um banho de chuva
com o Carmo Jovem no coração! E com tantos jovens e tanta boa disposição, nem
S. Pedro se atreveu a espreguiçar as nuvens. Nós, os de Viana, chegámos pelas
9.30h, mais coisa menos coisa, e a Equipa de Coordenação afinou as agulhas
sobre o desenrolar do dia. O sol aparecia e escondia-se, qual criança que quer
roubar bolas de açúcar da cozinha da avó. Manteríamos o plano A, ou seja, carminharíamos até Tongóbriga e
celebraríamos, alegres, a Entrada de Jesus em Jerusalém, nos terrenos
circundantes da Necrópole romana. Assim faríamos, concluímos, com determinada determinação, como nos
ensina Santa Teresa. Caminharíamos inspirados pelas suas palavras, aprendendo a
cada passo que “a humildade é o alicerce do edifício”. Para Santa Teresa a
humildade é andar na verdade, e esta é a virtude mais importante na relação com
Deus e com os demais, porque, lá está, nos faz verdadeiros e assim atraímos mais
para Jesus que para nós.
Às 10h entrámos no Santuário do Menino Jesus, nosso Reizinho,
para o quebra gelo –as apresentações da praxe. Falou a Equipa Coordenadora,
falaram os responsáveis dos diversos grupos, falou o coração de cada um de nós
que criou disponibilidade na agenda para preparar esta atividade. E falámos com
o Menino Jesus, rezando com Ele e como Ele ao Pai. E cantámos para ELE, porque
o grupo coral de jovens Flores do Carmelo, da Paróquia de Avessadas, ali estava
connosco também para nos animar e colorir e florir o nosso carminho comum.
Por fim, partimos! Havia um cheirinho a terra molhada e a
erva fresca. A passarada esticava as asas e arrumava os ninhos, aproveitando os
raios de sol que iam e vinham. De quando em vez, os aldeões saudavam-nos com um
bom dia enérgico e revigorante. É assim no campo, a labuta começa cedo e com
intensidade. Caminhámos até o Castelinho. Sentámo-nos nas pedras frescas e
entoámos Quero louvar-Te sempre mais e
mais porque assim o sentimos no coração. Rezámos serenamente porque tudo gira à Tua volta em função de Ti.
Sob ameaças (quase constantes) de chuva prosseguimos pelos
caminhos estreitos de terra batida e pedras soltas. Acompanhava-nos o som da
água a fluir nas goteiras e das árvores, porque os dias anteriores tinham sido
de chuva intensa, mas naquele dia, o sol aparecia para nos iluminar o carminho. O calor e o ânimo de Deus
estavam connosco a carminhar ao nosso
lado! Pelo caminho, atualizaram-se as conversas! Falou-se da vida, dos filhos,
da escola e dos profs, da crise, dos plantios e dos rebentos que saíam da terra
molhada e falava-se de alguém novo, recém-chegado à nossa vida, o Papa
Francisco. Ao atento observador era já notório que este novo Pontífice fazia
parte da conversa dos jovens, algo nele lhes despertou atenção, senão não
falariam tão amiúde do que viram e ouviram na televisão. Parámos novamente, na
pequena ponte de Esmoriz. Mais uns risinhos e gargalhadas, mais silêncio e
oração. Deus estava ali, nós O podíamos sentir e se quiséssemos O podíamos
seguir. E seguimos! Até ao Monte das Lagoelas e aqui a paragem foi mais
demorada. Para que todos se conhecessem melhor, a Equipa de Coordenação dividiu
o grande grupo em pequenos grupos de acordo com o mês de nascimento e propôs
que cada um lesse e meditasse a Carta de Bento XVI aos jovens para as Jornadas
Mundiais de Juventude, a realizar ainda este ano, no Brasil. Ao fim de trinta
minutos de trabalho de partilha em grupo, cada um destes apresentou as suas
conclusões das quais destacámos a importância de todos sermos transmissores do
Evangelho, transmissores da nossa identidade de cristãos, dos valores e
princípios cristãos. Salientou-se ainda as dificuldades sentidas para envolver
os jovens na Igreja, assim como a importância da oração e da Eucaristia, fonte
da vida de fé e testemunho de sermos cristãos. O momento foi ainda propício
para a Coordenação aproximar ainda mais o coração dos jovens carmelitas ao
coração simples e alegre de Francisco, falando-lhes um pouco do novo líder da
Igreja Católica, chefe recém-eleito, que há poucos dias dera início a um
renovado caminho de fraternidade, amor e de confiança entre toda a humanidade.
Já se fazia tarde e rumámos a Tongóbriga. Ao chegar,
aguardavam-nos as gotinhas Verónica, a Betinha e o Luís, a Ana e o Marco, a
Susana e o Pedro acompanhados dos seus rebentos pequeninos, as gotinhas bem
pequeninas Beatriz e o Pedrinho, que ao final da Eucaristia a todos nos
abençoaram.
Almoçámos entre o verde dos campos e as vetustas pedras da
cidade romana, num almoço partilhado entre amigos fortes de Deus. A chuva
apareceu, entretanto, para brindar connosco este dia de festa. Sim, era dia de
festa porque o Carmo Jovem estava reunido! E Jesus e Teresa e Francisco e
tantos connosco!
O início da tarde trouxe a preparação da Eucaristia que
começou pelas 15.30h, não junto à Necrópole como estava delineado, mas num recanto
mais protegido do frio e da chuva. Na verdade, o tempo estava agora mais
incerto e o cinzento escuro dominava o céu. O plano B ditava movimentarmo-nos
para a Igreja Paroquial, mas estava ocupada. Ao mesmo tempo o nosso coração
parecia não querer sair daquele lugar que fora, em tempos muito antigos, do
Povo que condenou Jesus… Sim, pensando bem, algo nos incitava o coração a ficar
por ali. As ruínas romanas assistiriam à nossa celebração e apreciariam, quais
senadores, o nosso júbilo de alegria. A solução estava mesmo ali ao nosso lado:
o pequeno muito pequeno, alongado e estreito alpendre de um possível local de
comércio encerrado pela crise seria o nosso abrigo! (Afinal, pensando agora, não
nascera o nosso Salvador num velho e engelhado portal, meio desabrigado dos
ventos e dos frios? – e nós, seus súbditos, no dia em que era aclamado como
Rei, mereceríamos melhor que Ele ao nascer? Não sei. Mas sei que aquela
construção nova, de linhas rectas e transparentes, nos punha em diálogo com a
vetustez das pedras do caldarium romano e centravam o hoje da história no
momentum fulcral da história de Jesus, de que nós, ali, fazíamos justo
memorial!)
E com gestos de boa vontade, as gotinhas lá se foram
instalando, acomodando, silenciando, juntinhas e apertadinhas, com frio no
corpo por causa dos ventos frios que traziam até nós as duras nuvens negras,
mas com a alma cheia, pois iríamos celebrar a Entrada de Jesus em Jerusalém e a
sua Paixão, para espanto de uns e a desconfiança de outros. E não era para
menos! Ó quem visse o que sofremos para erguer uma Eucaristia! Que diriam de
nós, tantos que encontram muitos e justificados desconfortos para se ausentar
de a celebrar no conforto cómodo das catedrais? E foi assim, acomodadinhos e
despertos, em duas filas alongadas, que as Flores do Carmelo afinaram as cordas
vocais e nos orientaram as vozes do coração. Obrigado, desde já, pela sua
presença e disponibilidade. Estão no nosso coração: Já os conhecíamos a
carminhar, agora ajudaram-nos a cantar Jesus, Rei e Servo salvador! Foi belo
vê-los cantar e animar-nos a encantar Jesus! Não sabemos o que fazem melhor,
por isso será boa ideia que regressem e quitaremos dúvidas!...
Entretanto, um grupo de
jograis animou-nos o coração com palavras fortes de esperança, pois o Senhor entra
em nossas vidas jovens e quer que sejamos alegres, porque ELE é a nossa alegria
e esperança. Afinal, a Páscoa está a passar pelas nossas vidas permitindo-nos a
renovação desta alegria e confiança. Na homilia, o Frei João felicitou-nos pela
nossa presença ali, no Dia Mundial da Juventude. Agradeceu aos líderes dos Grupos
paroquiais e à Equipa de Coordenação, porque são transmissores da amizade
límpida e clara de Jesus e são líderes para Jesus, isto é, encaminhadores para
Jesus. Falou-nos do amor de Jesus, falou-nos da Sua amizade infinita, aqueceu-nos
o coração. E falou-nos de como o mal por vezes
nos ataca e morde. E porque sucederá o mal em tantas vidas, algumas bem jovens?
Como havemos nós de nos posicionar frente ao mal? Poderemos fazer mal ao mal? Ou
simplesmente como Jesus, que o recusou e combateu? Convidou-nos a olhar para a
Cruz de Jesus, e aprender aí a lição do amor; firmarmo-nos aí para resistir ao
mal que tanto e tão inesperadamente nos assesta! E fizemos um longo silêncio!
Um muito longo silêncio para, juntos, lado a lado com Jesus, Rei Sofredor, Rei
dos nossos corações jovens, ouvirmos o silêncio, os pássaros e o vento, para
sentirmos na alma as palavras que tínhamos ouvido do Evangelho. E por fim, este
longo e saboroso silêncio de Deus que estava passando por ali, foi interrompido
pelo Frei João que, naquele momento, quis destacar a frase de Bento XVI: «Quem dá, mas não dá Jesus Cristo dá muito
pouco». Para nos animar a darmos muito de nós aos jovens e ao mundo, mas dando-lhes
Jesus! Depois, ainda rezámos juntos por todos
nós presentes, pelas nossas famílias, pelos doentes, pelas gotinhas que não
vieram, mas que hão-de vir, porque a alegria da Páscoa vai aquecer-lhes de novo
o coração. Festejámos, enfim, os Ramos – Entrada alegre e pacífica de Jesus na
Jerusalém das nossas vidas! – entre jovens, no dia dos jovens. Construímos
amizade entre nós e com o Pai que nos deu o Seu Filho para morrer por todos
nós, mas que nos guarda sempre no coração e nos acolhe e protege com a sua mão
protetora. A Eucaristia terminou alegre e festiva com abraços e abraços e
amigos e muitos amigos fortes de Deus.
A hora já estava adiantada e o Filipe conduziu eficazmente os
diversos motoristas até ao Santuário do Menino Jesus, para depois todos os
grupos iniciarem a viagem de regresso. Porém, um imprevisto no transporte do
grupo de Moinhos da Gândara atrasou a despedida. Entretanto, nós, como tínhamos
ficado todos em Tongóbriga, abrimos os farnéis e limpamos os restos. Em amena
cavaqueira nos questionávamos sobre o porquê do atraso das gotinhas
motoristas!!! Mas antes que se acabassem as cantigas e as conversas, alguém nos
haveria de vir buscar e por isso o melhor era aproveitar e conviver, trocar
contactos, trocar ideias, ouvir os desabafos de uns e as esperanças de outros!
Ao cair da tarde, o dia estava ganho e não seria uma avaria que nos perturbaria
o ânimo.
Hoje, passados alguns dias, revivo estas alegrias, estas
emoções e questiono-me porque não passa na televisão e na rádio, esta alegria
da Páscoa? Esta esperança na vida? Esta esperança jovem no Ressuscitado?
Que o Carmo Jovem seja um meio de difusão de esperança e
alegria, de confiança e de amor por Deus e pela Humanidade, sempre com
humildade no nosso coração.
A todos o meu obrigado! Aos responsáveis locais, o Filipe, o
Duarte, o Francisco, a Sofia e a Célia, ao Zé Filipe por estar comigo na
Coordenação, ao Frei João pelas constantes achegas e conselhos, a todas as
gotinhas que vieram, a todas as gotinhas que telefonaram a disponibilizar
ajuda, a todas as gotinhas que enviaram sms de coragem e todas as gotinhas que
ficaram mas estão! Sempre! Com o Carmo Jovem no coração! Obrigado!!!!
Uma palavra para a Crise. Não há palavra que mais inunde as
nossas bocas, nem nuvem negra que mais abalroe os corações. Porém, nós, Carmo
Jovem, estivemos lá. Desfiámos quilómetros, enfrentámos frios e despeitos de
quem julga que nos devemos encolher e amealhar. É certo que o futuro é incerto.
É certo que existem muitas outras corridas bem mais coloridas; por vezes, bem
mais coloridas que esta que apenas tingiu de verde o escuro do horizonte e do
céu jovem sob que vivemos. Mas fomos. Nós estivemos lá a acompanhar Jesus!
Teresa e João animaram-nos. Eles que não viveram tempos melhores,
incendiaram-nos a esperança e nos ensinaram a semeá-la à mão-cheia! Bastaria
isso para que se devesse realizar a XXI Carminhada do Carmo Jovem! Nós
estivemos lá carminhando com
Francisco neste tempo em que a história se escreve ao revés! Estivemos lá com a
certeza de que é melhor carminhar o
nós que apenas o eu! O Carmo Jovem esteve lá, porque é certo que a história se
escreveu sempre mais com passos cansados que com corações ágeis e frescos!
Cada um de nós trouxe para a XXI Carminhada a sua migalha e a
fome dela. Juntas formaram o pão saboroso que se espalhou nas toalhas, que
cobriram a terra da esperança e depois fomos comendo ao longo dos caminhos. Ali
comemos juntos o que o amor semeou em nossas vidas jovens. Virão dias em que o
Pão se nos dará sem termos de O pedir por causa da fome. Nestes dias tingidos
de verde negro partilhámos migalhas, nesses dias saciaremos de Pão os que
connosco houverem aprendido a trilhar a esperança apesar do negro das nuvens.
Nós estivemos lá, porque não haveríamos de voltar?
Até já! Já só falta pouco, pouco para estarmos juntos outra
vez.
Um abraço
Ana Margarida e Frei
João
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