quarta-feira, 3 de abril de 2013

Notas finais da XXI carminhada Avessadas/Tongóbriga


Com migalhas de amor


São 14h da tarde. Há sol e algumas nuvens ameaçadoras no céu. Na minha relva uns pardalitos deliciam-se com umas migalhinhas de pão-de-ló, vestígios da Visita Pascal de ontem. Na rádio ouço que a taxa de desemprego estagnou este último mês de Março, comparativamente a Janeiro, ainda que esteja em percentagem avassaladora. Na televisão passa um desfile de preocupações e angústias. No meu coração há alegria e esperança! Afinal, ontem foi a Páscoa e a Ressurreição de Jesus é uma explosão de luz que se espalha no meio das trevas. Com esta certeza, recordo o dia 23 de Março, Dia Mundial da Juventude, dia da XXI Carminhada do Carmo Jovem, e é sobre este dia que vos quero falar hoje.
A Carminhada começou muito, muito cedo, há muito tempo, quando a Equipa de Coordenação resolveu deitar mãos à obra e reacender a chama do Carmo Jovem. A 14 de Dezembro do ano passado, dia de nosso pai S. João da Cruz, demos a notícia que nos propúnhamos carminhar no Sábado de Ramos e celebrar o dia dos jovens com os jovens. Iríamos partilhar a amizade que temos com Jesus e com Teresa e aconchegar-lhes o coração com as palavras do Papa Bento XVI. Imaginávamos lá, nesse longínquo mês de Dezembro, que Deus inspiraria Bento a entregar o seu lugar a outro pastor, num gesto de grande humildade e sacrifício, e que agora teríamos Francisco, o Papa que veio do fim do mundo, como a si próprio se referiu? Imaginaríamos nós que S. Pedro nos presentearia com longos dias de chuva que nos obrigaram a constantes reajustes do plano de ação inicialmente definido? Oh! Se nos agarrássemos às dificuldades e aos medos, ainda hoje estávamos a delinear o plano de atividades do Movimento! Arriscamos confiantes! Afinal, é por Deus e para Deus que nos movimentamos e Ele sabe porque caminhos nos conduz. ELE sabe! ELE é que sabe! Afirmo para mim mesma todos os dias, quando a dúvida se torna insuportável e uma agonia desesperante se instala em mim; afirmo em voz alta ELE é que sabe porque me colocou aqui, neste papel, nesta função. E consciente que nada sei, confio-LHE os meus medos e avanço… tento avançar!
 Às 6h da manhã de Sábado, dia 23 de Março, o meu telemóvel começou a tocar, fenómeno aliás que se repetiu por toda a manhã. Já perceberão! Atendi, sobressaltada. Nada dormira, porque estava ansiosa, por um lado, e por outro, chovia torrencialmente e eu só pensava como iríamos carminhar com aquele tempo. Outra vez a chover quando queremos caminhar entre Avessadas e Tongóbriga! Porquê, meu Deus? Será que não nos queres nessas paragens? Foi assim a minha noite, noite muito noite. Bem, atendi, e do outro lado, uma voz inquieta, dizia-me: Ana, chove assustadoramente aqui! Assim não há carminhada, pois não? Ai, Jesus, que tontaria!!! Carminhamos, sim! Respondi, carminhamos porque uma chuvada nas costas não nos vai fazer mal e além disso temos um plano B, uma alternativa. Do outro lado ouvi: Ai é? Pronto, ok!
E assim foi. Saí de casa depois de deixar as minhas gotinhas pequeninas bem entregues com a avó, pois tínhamos de sair do Convento do Carmo de Viana, às 7.30h. Eu, o Pedro, o Frei João, a Joana, a Rita, a Isabel e a Paula, mais a cruz e o cajado do Movimento, as faixas coloridas, as alfaias da Eucaristia, os paramentos do sacerdote, mais os farnéis, o sono, a dúvida, a alegria e a confiança. Saímos todos! Assim mesmo, todos juntos, com a graça de Deus.



Em Avessadas esperavam-nos os jovens da localidade aos quais se juntaram os de Paços de Gaiolo, de Moinhos da Gândara, de Aveiro, de Braga. Ah! Que alegria, Deus meu! Éramos mais de 70!!! Mais de 70 acreditaram que não choveria e que mesmo que chovesse valia mesmo muito, muito, um banho de chuva com o Carmo Jovem no coração! E com tantos jovens e tanta boa disposição, nem S. Pedro se atreveu a espreguiçar as nuvens. Nós, os de Viana, chegámos pelas 9.30h, mais coisa menos coisa, e a Equipa de Coordenação afinou as agulhas sobre o desenrolar do dia. O sol aparecia e escondia-se, qual criança que quer roubar bolas de açúcar da cozinha da avó. Manteríamos o plano A, ou seja, carminharíamos até Tongóbriga e celebraríamos, alegres, a Entrada de Jesus em Jerusalém, nos terrenos circundantes da Necrópole romana. Assim faríamos, concluímos, com determinada determinação, como nos ensina Santa Teresa. Caminharíamos inspirados pelas suas palavras, aprendendo a cada passo que “a humildade é o alicerce do edifício”. Para Santa Teresa a humildade é andar na verdade, e esta é a virtude mais importante na relação com Deus e com os demais, porque, lá está, nos faz verdadeiros e assim atraímos mais para Jesus que para nós.
Às 10h entrámos no Santuário do Menino Jesus, nosso Reizinho, para o quebra gelo –as apresentações da praxe. Falou a Equipa Coordenadora, falaram os responsáveis dos diversos grupos, falou o coração de cada um de nós que criou disponibilidade na agenda para preparar esta atividade. E falámos com o Menino Jesus, rezando com Ele e como Ele ao Pai. E cantámos para ELE, porque o grupo coral de jovens Flores do Carmelo, da Paróquia de Avessadas, ali estava connosco também para nos animar e colorir e florir o nosso carminho comum.




Por fim, partimos! Havia um cheirinho a terra molhada e a erva fresca. A passarada esticava as asas e arrumava os ninhos, aproveitando os raios de sol que iam e vinham. De quando em vez, os aldeões saudavam-nos com um bom dia enérgico e revigorante. É assim no campo, a labuta começa cedo e com intensidade. Caminhámos até o Castelinho. Sentámo-nos nas pedras frescas e entoámos Quero louvar-Te sempre mais e mais porque assim o sentimos no coração. Rezámos serenamente porque tudo gira à Tua volta em função de Ti.





Sob ameaças (quase constantes) de chuva prosseguimos pelos caminhos estreitos de terra batida e pedras soltas. Acompanhava-nos o som da água a fluir nas goteiras e das árvores, porque os dias anteriores tinham sido de chuva intensa, mas naquele dia, o sol aparecia para nos iluminar o carminho. O calor e o ânimo de Deus estavam connosco a carminhar ao nosso lado! Pelo caminho, atualizaram-se as conversas! Falou-se da vida, dos filhos, da escola e dos profs, da crise, dos plantios e dos rebentos que saíam da terra molhada e falava-se de alguém novo, recém-chegado à nossa vida, o Papa Francisco. Ao atento observador era já notório que este novo Pontífice fazia parte da conversa dos jovens, algo nele lhes despertou atenção, senão não falariam tão amiúde do que viram e ouviram na televisão. Parámos novamente, na pequena ponte de Esmoriz. Mais uns risinhos e gargalhadas, mais silêncio e oração. Deus estava ali, nós O podíamos sentir e se quiséssemos O podíamos seguir. E seguimos! Até ao Monte das Lagoelas e aqui a paragem foi mais demorada. Para que todos se conhecessem melhor, a Equipa de Coordenação dividiu o grande grupo em pequenos grupos de acordo com o mês de nascimento e propôs que cada um lesse e meditasse a Carta de Bento XVI aos jovens para as Jornadas Mundiais de Juventude, a realizar ainda este ano, no Brasil. Ao fim de trinta minutos de trabalho de partilha em grupo, cada um destes apresentou as suas conclusões das quais destacámos a importância de todos sermos transmissores do Evangelho, transmissores da nossa identidade de cristãos, dos valores e princípios cristãos. Salientou-se ainda as dificuldades sentidas para envolver os jovens na Igreja, assim como a importância da oração e da Eucaristia, fonte da vida de fé e testemunho de sermos cristãos. O momento foi ainda propício para a Coordenação aproximar ainda mais o coração dos jovens carmelitas ao coração simples e alegre de Francisco, falando-lhes um pouco do novo líder da Igreja Católica, chefe recém-eleito, que há poucos dias dera início a um renovado caminho de fraternidade, amor e de confiança entre toda a humanidade.






Já se fazia tarde e rumámos a Tongóbriga. Ao chegar, aguardavam-nos as gotinhas Verónica, a Betinha e o Luís, a Ana e o Marco, a Susana e o Pedro acompanhados dos seus rebentos pequeninos, as gotinhas bem pequeninas Beatriz e o Pedrinho, que ao final da Eucaristia a todos nos abençoaram.


Almoçámos entre o verde dos campos e as vetustas pedras da cidade romana, num almoço partilhado entre amigos fortes de Deus. A chuva apareceu, entretanto, para brindar connosco este dia de festa. Sim, era dia de festa porque o Carmo Jovem estava reunido! E Jesus e Teresa e Francisco e tantos connosco!
O início da tarde trouxe a preparação da Eucaristia que começou pelas 15.30h, não junto à Necrópole como estava delineado, mas num recanto mais protegido do frio e da chuva. Na verdade, o tempo estava agora mais incerto e o cinzento escuro dominava o céu. O plano B ditava movimentarmo-nos para a Igreja Paroquial, mas estava ocupada. Ao mesmo tempo o nosso coração parecia não querer sair daquele lugar que fora, em tempos muito antigos, do Povo que condenou Jesus… Sim, pensando bem, algo nos incitava o coração a ficar por ali. As ruínas romanas assistiriam à nossa celebração e apreciariam, quais senadores, o nosso júbilo de alegria. A solução estava mesmo ali ao nosso lado: o pequeno muito pequeno, alongado e estreito alpendre de um possível local de comércio encerrado pela crise seria o nosso abrigo! (Afinal, pensando agora, não nascera o nosso Salvador num velho e engelhado portal, meio desabrigado dos ventos e dos frios? – e nós, seus súbditos, no dia em que era aclamado como Rei, mereceríamos melhor que Ele ao nascer? Não sei. Mas sei que aquela construção nova, de linhas rectas e transparentes, nos punha em diálogo com a vetustez das pedras do caldarium romano e centravam o hoje da história no momentum fulcral da história de Jesus, de que nós, ali, fazíamos justo memorial!)





E com gestos de boa vontade, as gotinhas lá se foram instalando, acomodando, silenciando, juntinhas e apertadinhas, com frio no corpo por causa dos ventos frios que traziam até nós as duras nuvens negras, mas com a alma cheia, pois iríamos celebrar a Entrada de Jesus em Jerusalém e a sua Paixão, para espanto de uns e a desconfiança de outros. E não era para menos! Ó quem visse o que sofremos para erguer uma Eucaristia! Que diriam de nós, tantos que encontram muitos e justificados desconfortos para se ausentar de a celebrar no conforto cómodo das catedrais? E foi assim, acomodadinhos e despertos, em duas filas alongadas, que as Flores do Carmelo afinaram as cordas vocais e nos orientaram as vozes do coração. Obrigado, desde já, pela sua presença e disponibilidade. Estão no nosso coração: Já os conhecíamos a carminhar, agora ajudaram-nos a cantar Jesus, Rei e Servo salvador! Foi belo vê-los cantar e animar-nos a encantar Jesus! Não sabemos o que fazem melhor, por isso será boa ideia que regressem e quitaremos dúvidas!...
Entretanto, um grupo de jograis animou-nos o coração com palavras fortes de esperança, pois o Senhor entra em nossas vidas jovens e quer que sejamos alegres, porque ELE é a nossa alegria e esperança. Afinal, a Páscoa está a passar pelas nossas vidas permitindo-nos a renovação desta alegria e confiança. Na homilia, o Frei João felicitou-nos pela nossa presença ali, no Dia Mundial da Juventude. Agradeceu aos líderes dos Grupos paroquiais e à Equipa de Coordenação, porque são transmissores da amizade límpida e clara de Jesus e são líderes para Jesus, isto é, encaminhadores para Jesus. Falou-nos do amor de Jesus, falou-nos da Sua amizade infinita, aqueceu-nos o coração. E falou-nos de como o mal por vezes nos ataca e morde. E porque sucederá o mal em tantas vidas, algumas bem jovens? Como havemos nós de nos posicionar frente ao mal? Poderemos fazer mal ao mal? Ou simplesmente como Jesus, que o recusou e combateu? Convidou-nos a olhar para a Cruz de Jesus, e aprender aí a lição do amor; firmarmo-nos aí para resistir ao mal que tanto e tão inesperadamente nos assesta! E fizemos um longo silêncio! Um muito longo silêncio para, juntos, lado a lado com Jesus, Rei Sofredor, Rei dos nossos corações jovens, ouvirmos o silêncio, os pássaros e o vento, para sentirmos na alma as palavras que tínhamos ouvido do Evangelho. E por fim, este longo e saboroso silêncio de Deus que estava passando por ali, foi interrompido pelo Frei João que, naquele momento, quis destacar a frase de Bento XVI: «Quem dá, mas não dá Jesus Cristo dá muito pouco». Para nos animar a darmos muito de nós aos jovens e ao mundo, mas dando-lhes Jesus! Depois, ainda rezámos juntos por todos nós presentes, pelas nossas famílias, pelos doentes, pelas gotinhas que não vieram, mas que hão-de vir, porque a alegria da Páscoa vai aquecer-lhes de novo o coração. Festejámos, enfim, os Ramos – Entrada alegre e pacífica de Jesus na Jerusalém das nossas vidas! – entre jovens, no dia dos jovens. Construímos amizade entre nós e com o Pai que nos deu o Seu Filho para morrer por todos nós, mas que nos guarda sempre no coração e nos acolhe e protege com a sua mão protetora. A Eucaristia terminou alegre e festiva com abraços e abraços e amigos e muitos amigos fortes de Deus.








A hora já estava adiantada e o Filipe conduziu eficazmente os diversos motoristas até ao Santuário do Menino Jesus, para depois todos os grupos iniciarem a viagem de regresso. Porém, um imprevisto no transporte do grupo de Moinhos da Gândara atrasou a despedida. Entretanto, nós, como tínhamos ficado todos em Tongóbriga, abrimos os farnéis e limpamos os restos. Em amena cavaqueira nos questionávamos sobre o porquê do atraso das gotinhas motoristas!!! Mas antes que se acabassem as cantigas e as conversas, alguém nos haveria de vir buscar e por isso o melhor era aproveitar e conviver, trocar contactos, trocar ideias, ouvir os desabafos de uns e as esperanças de outros! Ao cair da tarde, o dia estava ganho e não seria uma avaria que nos perturbaria o ânimo.
Hoje, passados alguns dias, revivo estas alegrias, estas emoções e questiono-me porque não passa na televisão e na rádio, esta alegria da Páscoa? Esta esperança na vida? Esta esperança jovem no Ressuscitado?
Que o Carmo Jovem seja um meio de difusão de esperança e alegria, de confiança e de amor por Deus e pela Humanidade, sempre com humildade no nosso coração.
A todos o meu obrigado! Aos responsáveis locais, o Filipe, o Duarte, o Francisco, a Sofia e a Célia, ao Zé Filipe por estar comigo na Coordenação, ao Frei João pelas constantes achegas e conselhos, a todas as gotinhas que vieram, a todas as gotinhas que telefonaram a disponibilizar ajuda, a todas as gotinhas que enviaram sms de coragem e todas as gotinhas que ficaram mas estão! Sempre! Com o Carmo Jovem no coração! Obrigado!!!!
Uma palavra para a Crise. Não há palavra que mais inunde as nossas bocas, nem nuvem negra que mais abalroe os corações. Porém, nós, Carmo Jovem, estivemos lá. Desfiámos quilómetros, enfrentámos frios e despeitos de quem julga que nos devemos encolher e amealhar. É certo que o futuro é incerto. É certo que existem muitas outras corridas bem mais coloridas; por vezes, bem mais coloridas que esta que apenas tingiu de verde o escuro do horizonte e do céu jovem sob que vivemos. Mas fomos. Nós estivemos lá a acompanhar Jesus! Teresa e João animaram-nos. Eles que não viveram tempos melhores, incendiaram-nos a esperança e nos ensinaram a semeá-la à mão-cheia! Bastaria isso para que se devesse realizar a XXI Carminhada do Carmo Jovem! Nós estivemos lá carminhando com Francisco neste tempo em que a história se escreve ao revés! Estivemos lá com a certeza de que é melhor carminhar o nós que apenas o eu! O Carmo Jovem esteve lá, porque é certo que a história se escreveu sempre mais com passos cansados que com corações ágeis e frescos!
Cada um de nós trouxe para a XXI Carminhada a sua migalha e a fome dela. Juntas formaram o pão saboroso que se espalhou nas toalhas, que cobriram a terra da esperança e depois fomos comendo ao longo dos caminhos. Ali comemos juntos o que o amor semeou em nossas vidas jovens. Virão dias em que o Pão se nos dará sem termos de O pedir por causa da fome. Nestes dias tingidos de verde negro partilhámos migalhas, nesses dias saciaremos de Pão os que connosco houverem aprendido a trilhar a esperança apesar do negro das nuvens.
Nós estivemos lá, porque não haveríamos de voltar?
Até já! Já só falta pouco, pouco para estarmos juntos outra vez.
Um abraço
 Ana Margarida e Frei João

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