quinta-feira, 27 de dezembro de 2012

O Natal de 25 de Dezembro de 1914


A Europa ardia mergulhada na 1ª Guerra Mundial. Nas trincheiras enlameadas, os soldados franceses e ingleses tentavam celebrar o nascimento de um Deus que parecia ausente no meio de toda aquela violência. As constantes explosões das bombas tinham cessado, pois ninguém estava com vontade de matar naquele dia tão especial. Contudo, a fome e o frio agonizante não deixavam nenhum soldado em paz, e sem luzes nem música nem parecia Natal.

A tiritar de frio, um cabo francês espreitou para a trincheira inimiga, daqueles tão odiados alemães, procurando qualquer movimento suspeito do inimigo. Com grande espanto, viu luzes a brilhar no horizonte negro, como estrelas no céu. Levantou-se um pouco mais e reparou que as luzes se distribuíam por toda a linha inimiga. Pegou nos binóculos e percebeu o que eram: árvores de Natal. Dezenas, talvez centenas de árvores de Natal!

Chamou o seu oficial superior, que também olhou com admiração para os belos enfeites alemães, lá longe, como se a alegria fosse exclusiva para o inimigo. Sabiam que a trincheira alemã tinha melhores condições, comida e calor suficientes para passar aquele duro Inverno sem privações. O oficial olhou para trás, para os seus homens amontoados entre si, com olhares tristes e aspecto miserável. Nesse momento, os seus ouvidos captaram uma melodia conhecida, que também vinha do lado alemão. Eram cânticos de Natal...

Os alemães celebravam alegres o nascimento do Salvador. O oficial reflectia se não teriam os alemães comida suficiente para os franceses e ingleses não terem de passar fome naquele dia tão especial, mas depressa concluiu que nunca iriam os da outra trincheira ceder-lhes sequer uma côdea de pão. De repente, ouviu um dos seus soldados a cantar na sua língua em conjunto com a música alemã, e o que começou como um tímido cantarolar propagou-se por toda a trincheira. Em pouco tempo, todos cantavam com os alemães.
Da trincheira alemã um grito suou: Fröhlich weihnachten! Um dos soldados franceses reconheceu aquelas palavras: Feliz Natal! Entusiasmados, alguns soldados repetiram a saudação, uns em alemão, outros na sua língua materna. Logo em seguida, outras palavras alemãs chegaram, que traduzidas revelavam uma oferta dos inimigos: juntarem-se na Terra de Ninguém e celebrarem juntos o dia de Cristo. Alguns soldados ficaram entusiasmados, outros receosos, mas nenhum conseguiu ficar indiferente à proposta.

Após alguma discussão, o oficial deu ordem para se mandar um batedor, que lá subiu o fosso até à esburacada (por causa das bombas) Terra de Ninguém. Um grupo de alemães já o esperava, no meio daquele temível pedaço de terra, onde os corpos de centenas de homens dos dois lados do conflito jaziam mortos, alguns de há poucos dias, outros já ali estariam há meses. O francês aproximou-se e recebeu as prendas dos alemães com alegria, percebendo a importância daquele gesto. Chamou os colegas, que saíram aliviados e alegres do buraco onde se outrora se protegeram. Os alemães também chamaram o resto da trincheira, que veio ao encontro daqueles que há poucas horas tentavam aniquilar.
Franceses e ingleses pouco tinham a oferecer, além de fome, frio e paz. Os alemães partilharam o que tinham para partilhar, e juntos com os seus inimigos viveram uma verdadeira ceia de Natal. Não só soldados, mas até oficiais abraçavam aqueles a quem outrora apontavam as armas. Um dos ingleses trouxe uma bola e uma ideia: levar o festejo ainda mais longe e jogar uma partida de futebol. O campo foi alisado, e balizas montadas com espingardas e canos de artilharia. O jogo ficou 3-2, com a vitória dos germânicos.

Afinal, Deus não abandonara a Europa. Ele esperou até chegar o aniversário do Seu filho para revelar aos homens a verdade: as pessoas da Europa não queriam aquela guerra, apenas os líderes se queriam matar uns aos outros. Feliz, o oficial francês percebeu o quão próximo estava o fim da violência. Porque no meio dos corpos dos seus colegas tombados, os soldados conseguiram cumprimentar quem os matou. Porque no meio de tanta desumanidade, eles conseguiram produzir o maior gesto de humanidade possível. Porque naquele dia de 25 de Dezembro de 1914, no meio da maior guerra de sempre, franceses, ingleses e alemães encontraram-se, não como vizinhos hostis, mas como irmãos.

A Gotinha João Sequeira

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